Já era dezembro. O clima mais quente e o aumento da temperatura anunciavam a chegada do verão. A família e os amigos planejavam as festividades de fim de ano, porém meu foco era outro. A prova prática de Residência Médica.
Em uma grande sala, cerca de 500 pessoas tentavam controlar o nervosismo do momento. A primeira etapa já tinha passado e só restavam 10% dos candidatos.
5 questões me separavam do meu objetivo. Seriam cinquenta minutos (10 por questão) e o estudo de dois anos estava em jogo. Consegue sentir a tensão?
Por incrível que pareça, eu estava calmo.
Caso tenha dúvidas de como é realizar uma prova prática de Residência Médica, esse texto foi feito pra você. Ao longo dele, vou tentar te dizer o que esperar dessa etapa e o que você vai precisar fazer para ter sucesso.
Ao lado de alguns amigos que concorriam a outras especialidades, esperava o chamado. E, para minha surpresa, não demorou. Meu nome era um dos cinco presentes na primeira lista de candidatos convocados para iniciar o exame.
Minha hora de fazer a prova prática de Residência Médica havia chegado.
Ao entrar na sala, me deparei com 2 examinadores, uma mesa com um computador e fones de ouvido.
Além disso, também havia uma folha com o tempo sugerido para realização de cada tarefa e o caso clínico, da seguinte forma:
O caso clínico em questão tratava de uma criança de 3 anos com uma história muito sugestiva de laringotraqueobronquite viral aguda. O exame físico estava descrito assim:
GERAL: Corado, hidratado, anictérico, acianótico. Sinais Vitais: FC = 92, FR = 50, SatO2 = 90% em ar ambiente, PA = 85 x 62 (adequada para a idade), Tax = 36,3 C Oroscopia: Hiperemia discreta de faringe. Ausência de placas purulentas. Exame pulmonar disponível em vídeo no computador. O restante do exame físico não apresenta alterações significativas. |
Após terminar a leitura, solicitei a primeira tarefa ao examinador, que me entregou a “folha” abaixo:
Utilize o computador e o fone de ouvido para assistir ao vídeo e áudio referentes ao caso. Descreva a alteração da ausculta pulmonar presente no vídeo. Após terminar, solicite a tarefa seguinte. |
Ao colocar os fones de ouvido, foi claro para mim o ruído (no caso, um estridor). Porém, também auscultei sibilos.
E, naquele momento, não soube o que dar como resposta. Essa foi minha deixa para complicar uma questão relativamente fácil.
A partir da ausculta desses sibilos, esqueci totalmente do estridor e comecei a questionar minha hipótese diagnóstica. Não dei atenção para o que estava óbvio.
Pensava se o diagnóstico não seria de asma exacerbada ou bronquiolite viral aguda, a despeito do caso clínico e do próprio estridor presente na ausculta.
A verdade é que, apesar de calmo no início, o nervosismo começou a tomar conta de mim na medida em que minha dúvida aumentava e os minutos passavam. Nessa hora, deixei de prestar atenção em detalhes importantes da questão e escrevi a resposta errada.
Resposta: Sibilos expiratórios |
Como você pode imaginar, uma vez dado o diagnóstico errado (acabei concluindo que o diagnóstico era de asma exacerbada), provavelmente as próximas tarefas também seriam respondidas incorretamente.
E foi exatamente isso que aconteceu.
Realizei uma prescrição voltada para crise asmática.
Nesse momento, ficou claro (pra mim) que errei a questão. Perguntei ao examinador se podia corrigir as tarefas 1 e 2.
Ele disse que não era possível. Meu coração acelerou. O desespero bateu. Tive vontade de desistir e só sair dali.
Silêncio na sala…
Depois de um breve momento de reflexão, respirei fundo. Ergui minha cabeça e pensei:
“Ainda faltam 4 questões. Se, por algum milagre, eu conseguir pontuar muito bem nas questões restantes, talvez ainda tenha uma chance.”
Resolvi arriscar. Não tinha nada a perder. E, apesar de totalmente incoerente com as respostas descritas nas tarefas 1 e 2, mudei de abordagem:
Tarefa 3 Hipótese Diagnóstica: Laringotraqueobronquite viral aguda. Agente etiológico: Vírus Parainfluenza. |
Por fim, a tarefa 4 descrevia uma piora clínica da criança mesmo após tratamento adequado e solicitava qual seria a melhor conduta.
Escrevi a resposta e segui para a próxima estação. Não havia tempo para lamentações.
Dessa estação, quero chamar atenção a três detalhes:
Tente manter o tempo inteiro durante a realização de uma estação e aja como se estivesse fazendo uma prova teórica.
Eu não tenho dúvidas de que se estivesse diante de uma prova objetiva – ou mesmo discursiva – teria realizado toda questão em menos de 5 minutos (e teria acertado).
Entretanto, é hábito nosso valorizar muito a prova prática e imaginar que “pegadinhas” podem estar ocultas em cada caso clínico.
É aí que mora o perigo.
Como vocês viram, esses deslizes são fatais durante uma prova de Residência em que cada décimo pode fazer a diferença, seja a favor de você ou de seu concorrente.
Em uma prova com 5 estações, cada uma vale 2,0 pontos. Como durante a correção o examinador segue um “checklist”, mesmo errando as tarefas iniciais (como foi o meu caso), você ainda pode pontuar se acertar as tarefas seguintes.
Pode parecer contraditório, mas é dessa forma que é realizada a avaliação. Não sabia no momento em que fiz a prova mas, posteriormente, consultando a chave de correção, vi que alcancei 0,7 de 2,0 pontos possíveis.
Em uma estação, é possível que você não tenha que realizar nenhuma atividade prática.
Por mais que pareça incoerente, essa é uma realidade na prova prática de Residência Médica. Portanto, caso se veja diante de uma questão somente interpretativa, fique tranquilo!
Dito isso, vamos para a próxima!
Foram os elementos que vi ao entrar na sala. Obviamente, estava mais tenso. Naquele momento, pensava que havia zerado a estação anterior. Se quisesse me manter na disputa por uma vaga teria que gabaritar as questões restantes.
O caso clínico descrevia um paciente idoso (cerca de 70 anos), previamente hipertenso em uso de Hidroclorotiazida e Enalapril, que dormiu por volta das 22h e acordou às 05h com quadro de hemiparesia proporcionada à esquerda e paralisia facial à esquerda. Negava outras sintomatologias.
O exame físico descrevia um paciente com sinais vitais estáveis, com exceção da pressão arterial (180 x 120mmHg), além das alterações do exame neurológico citadas acima.
Ao pedir a primeira tarefa, recebi uma folha que solicitava a realização de duas partes do exame físico neurológico: avaliação de força muscular e do VII par craniano.
Posicionei-me ao lado do “paciente” e segui o protocolo que treinei exaustivamente nos dias anteriores à prova (apresentação, higiene das mãos, explicação sobre a realização do exame físico e seu objetivo).
Iniciei pelo exame de força muscular. Solicitei ao paciente que elevasse os membros superiores; o paciente só conseguiu elevar o MSD.
Prossegui pedindo que apertasse minhas mãos; o paciente só conseguiu realizar o movimento com a mão direita. Solicitei, então, que realizasse a manobra dos braços estendidos – só conseguiu elevar o MSD – seguido da extensão dos membros inferiores – não conseguiu movimentar o membro inferior esquerdo.
Por fim, passei para o exame do VII par solicitando que o paciente franzisse a testa, fechasse os olhos e desse um sorriso; ficou evidente a paralisia facial à esquerda.
Concluído o exame, solicitei a segunda tarefa.
Cenário 2: O paciente foi transferido para a Unidade de Terapia Intensiva dentro de 30 minutos da chegada ao Hospital e permanece com o mesmo exame clínico de entrada.Realizou alguns exames laboratoriais conforme consta abaixo. |
Os exames apresentados pelo examinador não evidenciavam alterações significativas (hemograma, glicemia, função renal, função hepática, eletrólitos).
A tomografia de crânio estava “normal” (não mostrava sinais de sangramento). Logo, a hipótese diagnóstica era de um acidente vascular cerebral isquêmico.
Ao terminar a interpretação dos exames, me foi entregue a segunda tarefa.
Tarefa 2: Realize a prescrição medicamentosa do paciente. |
Nesse momento, o diferencial da questão era notar que, por se tratar de um paciente que acordou com o déficit neurológico – último momento em que foi visto sem déficits foi às 22h – a trombólise estava contraindicada (> 4:30h de déficit neurológico).
Logo, na prescrição deveria constar:
Itens como sintomáticos ou medicações anti-hipertensivas SOS (ex: nitroprussiato de sódio se PA > 220 x 120mmhg), apesar de corretos, não constavam no checklist. Portanto, caso fosse realizada a prescrição destes itens, o candidato não receberia nenhuma pontuação adicional.
Finalizada a estação, recuperei a confiança e senti que ainda tinha uma chance.
Mais uma vez, antes de prosseguir, gostaria de comentar sobre dois detalhes que acho fundamentais para realização de qualquer prova prática de Residência Médica:
Nas estações da prova prática, a realização de um procedimento em si (ex.: intubação orotraqueal, acesso venoso profundo, drenagem torácica, paracentese, etc) é menos frequente.
Geralmente, a maior parte dos itens presentes em um checklist consiste na interpretação correta de um caso clínico seguido de anamnese adequada para a questão (ex.: caso clínico evidenciando um paciente com diarreia que solicita a complementação da história clínica —> duração, consistência das fezes, presença de muco ou sangue, presença de sintomas associados, etc).
Ou até mesmo a solicitação ao candidato para realização de alguma parte do exame físico.
Confira o checklist desta estação:
Exame neurológico | Sim | Não |
1) Solicitou realização de movimento de extensão ou flexão de MIE | X | |
2) Solicitar realização de movimento de extensão ou flexão de MID | X | |
3) Solicitar realização de movimento de extensão de MSE | X | |
4) Solicitar realização de movimento de extensão ou flexão de MSD | X | |
5) Pedir ao paciente para franzir a testa ou elevar a sobrancelha | X | |
6) Pedir ao paciente para fechar os olhos | X | |
7) Pedir ao paciente para “dar um sorriso” ou mostrar os dentes | X |
O checklist serve como um guia para que o examinador marque as suas respostas durante a realização da estação. No entanto, não é necessário que você descreva as tarefas exatamente como consta no checklist.
Por exemplo, no decorrer da estação solicitei ao paciente que “esticasse” (extensão) e “dobrasse” (flexão) os braços e pernas. Ao realizar a avaliação, o examinador compreendeu as minhas orientações como sinônimos da chave de correção e consegui gabaritar a questão.
Em todo caso, vamo pra próxima:
O caso clínico tratava-se de uma adolescente que havia retornado de uma viagem aos EUA há 10 dias e que passou a apresentar sintomas compatíveis com coqueluche. O médico que realizou o atendimento na UBS confirmou o diagnóstico através de um exame de PCR para coqueluche (acredite se quiser) e a paciente já estava em tratamento.
Ficou curioso para saber quais são as três tarefas?
A segunda parte desse post já está no ar. Lembre-se que você pode se deparar com estações repetidas em qualquer prova prática de Residência Médica que fizer neste final de ano.
Além disso, por ter chegado até aqui, deixo de presente pra você o nosso e-book: Como brilhar na prova prática de Residência Médica, 100% gratuito!
Nele trazemos dicas e macetes essenciais pra você ter um excelente desempenho nessa etapa do processo seletivo, assim como checklists completos de duas estações muito frequentes: uma ambulatorial e outra de emergência, para que você saiba os diferentes tipos de abordagem na 2ª fase!
Se quiser entrar a fundo em preparação para a prova prática, aproveite para conferir o CRMedway, nosso curso preparatório para a prova prática de Residência Médica. Fazemos simulações realísticas das estações práticas cobradas nos anos anteriores das principais instituições do país para que você conheça a segunda fase do processo seletivo como ela realmente é cobrada.
E, claro, se tiver gostado do post, não esquece de deixar o seu comentário aqui embaixo!
Capixaba, nascido em 90. Graduado pela Universidade Federal do Espírito Santo (UFES) e com formação em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da Faculdade de Medicina da USP (HC-FMUSP) e Administração em Saúde pelo Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Apaixonado por aprender e ensinar.
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