O Hospital-Escola é, sem dúvida, um dos melhores lugares para se aprender sobre a medicina.
Lá temos pacientes que se deixam examinar por vários alunos na aula de semiologia (se tiver hepato/esplenomegalia ou aneurisma de aorta, ainda melhor), que contam inúmeras vezes a história aos diversos alunos. Além de residentes e médicos assistentes que passam pelos corredores da enfermaria.
Pacientes que se submetem a protocolos de pesquisa na ânsia do alívio dos sintomas, na ânsia da cura, mesmo sabendo que podem receber o placebo.
É um ambiente muito rico, muito científico, muito apaixonante, porém distante da realidade e totalmente “dentro da bolha”.
Não falo isso em tom pejorativo, precisamos dele.
Eu mesmo sou entusiasta de uma enfermaria com as macas cheias e de um ambulatório com muitos pacientes (nem sempre, claro!).
Num dos filmes da franquia Jurassic Park, dentre os muitos dinossauros, tiros e mortes, uma frase me marcou: “Existem dois tipos de homens: os astrônomos e os astronautas”. Tão simples, mas tão cheia de significado. Isto é, teríamos a imediata divisão entre aqueles que exercem medicina no hospital-escola e aqueles que a exercem fora dele: os astrônomos e os astronautas, respectivamente.
No hospital-escola, somos acostumados a tomar decisões com base no máximo de informações possíveis. O diagnóstico diferencial é a grande ciência ali. Isto é, toneladas de exames, alguns que entram em protocolos de pesquisas, outros que simplesmente são solicitados porque “vai que não é isso, né?”.
Diante de um achado patognomônico, uma história típica, somos acostumados a pensar em outras doenças que poderiam se manifestar de forma semelhante, ou então pedir um exame padrão-ouro para confirmar a hipótese.
O diagnóstico e tratamento rápidos, nessa situação, são muitas vezes menos importantes do que o raciocínio e do aprendizado que aquela doença proporciona ao aluno. Logo, no hospital-escola exercemos uma medicina de certeza.
Fora de lá, somos coagidos a tomar decisões com base no mínimo de informações possíveis, de tal maneira que ela seja menos custosa ao serviço no qual estamos inseridos (seja o público, seja privado), e também mais rápida ao paciente. Afinal, lá o profissional em medicina está ali para resolver o problema dele, não para fazer ciência.
Não precisamos de um achado patognomônico (se possível, ótimo!), não precisamos do exame padrão-ouro. “Fora da bolha”, exercemos uma medicina de probabilidades.
No hospital-escola trabalhamos com elevada especificidade. Ou seja, temos uma tendência a achar sempre que o caso é muito complexo, muito raro, sendo necessário investigar dos “pés à cabeça”.
Afinal, fica a mensagem nas entrelinhas: “é melhor não errar um caso difícil do que acertar muitos casos fáceis”, mesmo que isso não seja dito abertamente.
Fora do hospital-escola, o contrário ocorre. O médico prefere trabalhar com elevada sensibilidade, ou seja, melhor acertar mais diagnósticos fáceis do que errar um difícil.
Por mais que a medicina seja uma arte de fins e não de meios, todos procuram um médico com um fim: alívio de sintomas ou cura.
Sendo assim, o aprendizado no hospital-escola apresenta alguns déficits com os quais apenas nos tocamos da existência quando fora dele:
Sabemos tratar diabetes, sabemos os mecanismos de ação de todas as medicações, posologias, efeitos adversos, mas não sabemos (não somos ensinados) que Glifage® é Metformina, que Daonil® é uma glibenclamida.
Sabemos prescrever inúmeras drogas, mas não sabemos nomear duas apresentações de anticoncepcionais orais (aí complica ainda mais!).
Quem nunca se deparou com uma droga nova que o professor de cardiologia acabou de trazer de um congresso, que já é aprovada no Brasil mas ainda não é disponibilizada? Uma droga em fase de testes clínicos, que você prescreve todos os dias na enfermaria quando vai evoluir o paciente? Aquela droga que pelos próximos 5 ou 10 anos não vai estar na receita do seu paciente no consultório. Ou pior, aquela droga que vai estar disponível mas o paciente jamais vai ter condições de comprá-la, levando à dor de cabeça do processo de judicialização da medicina?
Novamente, voltamos ao problema de elevada especificidade.
“Não vou prescrever um iECA porque um (um!!!) paciente da enfermaria fez distúrbio eletrolítico e quase morreu quando eu passei na enfermaria”.
“Tá com cara de crise de ansiedade, mas pode ser um feocromocitoma”.
Fazemos da exceção, a regra.
Nos esquecemos que num hospital-escola vemos comumente o que é raro, e raramente o que é comum.
Fora dele, se pedirmos metanefrinas para todos os pacientes que chegam com crise hipertensiva, palpitações e sudorese no PS ou no consultório, automaticamente seremos repreendidos pelo serviço de saúde (com razão). Além disso, traremos stress desnecessário ao paciente.
O hospital escola é apaixonante, é rico, é fantástico, mas pode não ser a sua realidade no futuro. Logo, aproveite ao máximo enquanto passa por ele como aluno/residente, porque um dia você provavelmente vai olhar pra trás e falar: “bons tempos”.
Mas claro, alguns vão olhar pra trás e agradecerão por nunca mais precisarem colocar os pés num lugar como aquele.
Não dá pra ser só astronauta ou só astrônomo, todo médico é um pouco dos dois, muito embora sempre esteja mais pra um lado do que pro outro.
O cuidado é não confundir esses dois cenários: cada um deles exige conhecimentos diferentes, custos diferentes, estratégias diferentes.
Apesar das diferenças, assim como astronautas e astrônomos são apaixonados pelas estrelas, saiba que dentro ou fora do hospital escola, você está intimamente ligado “ao outro lado” pela paixão pela medicina.
Saiba que existe uma bolha; transite dentro dela, fora dela e através dela sempre que possível.
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Nascido em 1991, em Florianópolis, formado pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC) em 2015 e com Residência em Clínica Médica pelo Hospital das Clínicas da FMUSP (HC-FMUSP) e Residência em Administração em Saúde no Hospital Israelita Albert Einstein (HIAE). Fanático por novos aprendizados, empreendedorismo e administração. @instagram