Me lembro de quando formei e logo em seguida parti pros plantões da vida. Sem perceber, tratava a taquicardia supraventricular sem ajuda de especialista e via o doente apresentando melhora da sintomatologia aguda que o levou ao pronto-socorro. Hoje ainda observo a mesma gratidão desses pacientes após o tratamento da taquicardia supraventricular – e é exatamente sobre ela que vamos aprender no post de hoje. Bora?
Taquiarritmia (FC > 100 batimentos por minuto) de QRS estreito (< 120 milissegundos) pode ser chamada “taquicardia supraventricular” por denotar qualquer taquicardia originada no nó AV ou acima dele. Entendeu? É literalmente só isso. Existe uma situação em que a taquicardia pode apresentar QRS estreito, mas ser de origem ventricular: é a TV fascicular. Mas isso é conversa pra outro momento!
Genericamente, usamos o termo taquicardia supraventricular paroxística (TPSV) quando essas arritmias possuem resposta ventricular com início e término espontâneos.
Em situações de presença de bloqueio de ramo ou de via acessória prévia a taquicardia supraventricular promove QRS largo. Sabe aquela informação de que cerca de 20% das taquicardias de QRS largo são causadas por taquicardia supraventricular, que mencionamos no post sobre taquiarritmias? Então!
A taquicardia supraventricular pode aparecer e desaparecer de forma espontânea, em paroxismos, que geralmente duram minutos – mas também podem ser dias.
Os pacientes costumam referir os seguintes sintomas que motivam a ida ao pronto socorro: palpitações, desconforto torácico, falta de ar, tontura, vibrações e sensação de batimento no pescoço (sinal de frog), fadiga, pré síncope ou mesmo síncope, sendo esta última uma manifestação bastante rara.
Na grande maioria das vezes a taquicardia supraventricular não é fatal e o surgimento de instabilidade é bastante incomum para a maioria dos pacientes, exceto se houver doença cardiopulmonar importante sobreposta.
Ó, vamo lá: a taquicardia supraventricular mais frequente é a taquicardia por reentrada nodal (TRN) e é caracterizada por possuir R-R regular e complexo QRS estreito, beleza? Ocorre com frequência cardíaca aproximada de 150-250 batimentos por minuto, habitualmente entre 180-200 bpm.
A fisiologia do nó AV você já conhece. Essa estrutura possui duas vias de condução, conforme demonstrado na Figura 4:
1) Via alfa – via de condução lenta, com período refratário curto.
2) Via beta – via de condução rápida, com período refratário prolongado.
A situação fisiológica é o estímulo atrial descer ao nó AV e sofrer um retardo de condução. Em seguida partir para o ventrículo pela via beta, ao mesmo tempo encontrar com o estímulo proveniente da via de condução lenta, anulando-a dentro do nó atrioventricular.
Caso o estímulo atrial encontre a via rápida refratária (beta), pode progredir então pela via lenta (alfa), que em seguida encontra a via rápida disponível e o batimento retorna em sentido oposto, formando um circuito de reentrada, gerando a arritmia. A TRN pode ser típica, traduzida eletrocardiograficamente por onda P muito próxima ou fundida ao complexo QRS dada a condução anterógrada ao ventrículo e ativação atrial retrógrada, quase simultânea!
Nesta forma, a onda P pode aparecer como uma onda R´ em V1, denominado de pseudo-R´ ou pseudo-S quando são registrados na parede inferior. O intervalo R-P (da ativação ventricular, traduzida pela onda R; até a ativação atrial, traduzida pela onda P no ECG) é curto e é menor que o intervalo P-R (onda P até a ativação ventricular subsequente). Neste caso o intervalo RP é menor que o PR e a onda P pode estar oculta no eletrocardiograma pela ativação ventricular acontecer quase simultaneamente à ativação atrial.
É este fenômeno descrito acima que justifica a sintomatologia de “batedeira” no pescoço, promovendo o “sinal de frog” na TRN – é a ativação e contração atrial e ventricular que acontece simultaneamente e com as valvas atrioventriculares fechadas!
Pode ser ainda a forma atípica produzindo ativação atrial retrógrada muito após a ativação ventricular, resultando uma onda P um pouco mais tardia, bem próxima ao complexo QRS a frente. É um circuito horário no nó AV – é exatamente o mecanismo contrário da forma típica! O estímulo desce pela via rápida (habitualmente), porém consegue subir pela via lenta quando a encontra fora do período refratário! Neste caso o intervalo RP > PR.
Conceitos fundamentais para entendimento da principal taquicardia supraventricular – a TRN – foram discutidos aí em cima.
Outros tipos de taquicardia supraventricular devem ser lembrados para o diagnóstico diferencial! “TPSV” é um termo genericamente apropriado e pode fazer referência a qualquer taquicardia supraventricular.
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Após o reconhecimento eletrocardiográfico da taquicardia supraventricular, devemos garantir medidas gerais de suporte: conduzir o paciente pra um leito de emergência com monitorização eletrocardiográfica contínua; oxigênio suplementar se hipoxemia; e prover acesso venoso calibroso, o mais proximal possível no membro superior.
Neste momento você avaliará se existem critérios de instabilidade hemodinâmica: se presentes e, presumidamente, decorrentes da taquicardia supraventricular, o tratamento recomendado é a cardioversão elétrica sincronizada.
Neste momento focaremos no tratamento da forma mais recorrente de taquicardia supraventricular estável no pronto socorro: a taquicardia por reentrada nodal.
Manobras vagais, inclusive a massagem do seio carotídeo, manobras de valsalva, esforço de vômito, e até mesmo a exposição ao rosto ou ingestão de água gelada servem como primeira linha de terapia.
Se as manobras vagais fracassarem, a adenosina é o fármaco de escolha inicial, terminando a taquicardia supraventricular com sucesso – dentro de 1 minuto – em cerca de 90% dos casos.
Você já deve ter presenciado o tratamento de taquicardia supraventricular. Parece bem simples, mas existem algumas recomendações. O acesso venoso deve ser, de preferência, proximal.
Prepara 6 mg de adenosina em uma seringa, sem diluição, e conecta ao acesso com auxílio de uma “torneirinha”. Na outra via deste dispositivo, você coloca uma seringa de 20 ml de soro fisiológico 0,9% para sevir de “flush” e empurrar a medicação o mais rápido possível ao coração, através da rede venosa. Isso não deve demorar! A adenosina é metabolizada rapidamente e ela precisa agir no nó AV.
Explique os possíveis efeitos colaterais de forma empática ao paciente, isso é muito importante! Tranquilize-o. Rotineiramente os pacientes desenvolvem rubor facial, referem falta de ar, palpitações, dor torácica, turvação visual e tontura. Sensação de morte iminente também é relatado neste momento.
Aplique 6 mg de adenosina rapidamente, como dose inicial, seguido por elevação do membro e a injeção do flush. Uma dose adicional de 12 mg EV pode ser necessária caso não tenha sucesso na primeira tentativa.
Em caso de não existir resposta à adenosina mesmo quando aplicada corretamente, devemos pensar nos outros diagnósticos de taquicardia supraventricular! A desaceleração da frequência cardíaca pode ser um momento importante para identificarmos outras arritmias relacionadas.
A utilização intravenosa dos bloqueadores de canais de cálcio (verapamil ou diltiazem) ou dos betabloqueadores também pode ser efetiva e deve ser considerada após recorrência da arritmia supraventricular.
Inicialmente, vamos avaliar se a frequência e a gravidade dos episódios de taquicardia supraventricular justificam uma terapia a longo prazo. Situações em que os episódios são raros, bem tolerados, de curta duração, e que terminem espontaneamente, nenhuma terapia profilática pode ser necessária.
Em geral, betabloqueadores e antagonistas de canais de cálcio são fármacos de escolha caso optemos por terapia farmacológica de prevenção!
Aí está uma forma de tratamento com baixa taxa de complicações! É indicada caso os episódios de taquicardia supraventricular sejam frequentes, duradouros, sem bom controle com terapia farmacológica, promovendo a cura a longo prazo com efetividade em torno de 95% das vezes.
Outras indicações para a ablação são: intolerância a medicações por via oral, pacientes que não desejam tomar medicação à longo prazo ou em pacientes que não respondem bem à terapia medicamentosa, com altas taxas de recidiva.
O procedimento de ablação é indicado e realizado por arritmologistas, e por este motivo, em alguns casos, devemos encaminhar o paciente para seguimento com a especialidade.
Fechou? Concentre-se no tratamento da TRN pois é a forma mais comum de apresentação da TPSV do nosso dia-a-dia.
Agora ficou mais fácil!
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Bons estudos.
Nascido em 1990. Médico graduado em 2014. Formado em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina-SP. Atual residente na disciplina de Cardiologia da UNIFESP-EPM. Ex-preceptor, médico concursado do Hospital do Servidor Público Municipal - SP. Apaixonado por aprender e ensinar; fascinado pela Medicina.
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