ACLS: desvendando o algoritmo de parada cardiorrespiratória em adultos

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Em 2015, a American Heart Association (AHA), lançou um documento tratando de cuidados cardiovasculares avançados. O protocolo ACLS — Advanced Cardiovascular Life Support, que já mencionamos aqui antes no nosso post sobre o protocolo de taquiarritmias — foi atualizado com tópicos de treinamento que englobam o manejo frente à parada cardiorrespiratória (PCR) e cuidados pós-PCR, além de outras emergências cardiovasculares, como arritmias agudas, Síndrome Coronariana Aguda (SCA) e Acidente Vascular Cerebral (AVC).

No mesmo ano, a AHA e o International Liaison Committee on Resuscitation (ILCOR) propuseram um novo formato de atualização através de um processo contínuo de revisão de evidências científicas publicadas, a fim de recomendações atualizadas “em tempo real”, através do site ECC Guidelines. Portanto, desde então, não precisamos mais esperar a inclusão de novas recomendações a cada 5 anos, daquela forma tradicional.

Com o lema “Life is Why” (“a vida é o porquê”), a AHA possui como alvo a melhoria das habilidades no atendimento do paciente com acometimento agudo do sistema cardiovascular. Com base no reconhecimento precoce de anormalidades e intervenções precisas por times qualificados, temos a oportunidade de diminuir a perda de anos potenciais de vida por complicações relacionadas à história natural dessas patologias. E a ideia desse post é te ajudar, com base nessas diretrizes, a cumprir esse propósito.

Para começar, sugiro que você faça o nosso Desafio ACLS, que é grátis, interativo, rápido e traz um caso em que o desfecho do paciente de um caso clínico está em suas mãos! A depender de como você conduza a situação, por meio das perguntas que você vai responder, o paciente pode sobreviver ou vir a óbito. Topa encarar o desafio para saber se você está afiado no assunto e depois voltar aqui para compartilhar seu resultado com a gente nos comentários e saber mais sobre o ACLS e o algoritmo de parada cardiorrespiratória em adultos? É só clicar AQUI.

Agora vamo lá!

Cadeia de sobrevivência segundo o protocolo ACLS de parada cardiorrespiratória

Antes de iniciar nossa trajetória de aprendizado, preciso colocar a cadeia de sobrevivência proposta pelo ACLS. Recomendações formais iniciam-se a partir da segurança da cena e da localização em que o doente foi socorrido. Parada cardiorrespiratória intra ou extra-hospitalar são cenários possíveis, e não podemos nos esquecer de manter uma vigilância ativa e reconhecer de forma precoce sinais de deterioração clínica de pacientes internados.

Protocolo ACLS: Cadeia de sobrevivência na parada cardiorrespiratória intra e extra hospitalar.
ACLS: Cadeia de sobrevivência na PCR intra e extra hospitalar (Créditos: ECC Guidelines)

Beleza! Vamos trazer um pouco de prática pra sua leitura.

Chega pra você uma parada cardíaca na Sala de Emergência de um hospital lotado. Este paciente chama-se Sr. João, tem 75 anos e utiliza como medicação de uso contínuo a Metformina, o Anlodipino e a Losartana para tratar Diabetes Mellitus e Hipertensão Arterial Sistêmica. Era obeso e possuía antecedentes familiares relevantes para coronariopatia. Aguardava atendimento médico por uma dor no peito.

Caos! Você é o único médico, e apesar de ter presenciado outras reanimações cardiopulmonares, agora é a sua vez. Você precisa agir. A vida “depende” de você. Quais são as prioridades? Quais são os materiais necessários? Como fazer bem feito?

As principais recomendações fortes em contexto de parada cardiorrespiratória giram em torno de: 

1) Compressões de alta qualidade, pois é necessário nutrir adequadamente órgãos nobres, com o mínimo de interrupções possíveis; 

2) Checagem de ritmo e, quando indicado (ou seja, nos ritmos chocáveis), desfibrilar precocemente o doente. 

Sacou? Então vamos organizar nosso pensamento:

  • NÃO é recomendável pegar acesso venoso de imediato;
  • NÃO é recomendável ventilar o doente com via aérea avançada como prioridade;
  • NÃO é recomendável perder tempo colando eletrodo no tórax do paciente;
  • NÃO é recomendado comunicação afoita, com mecanismo aberto e sem feedbacks. A comunicação deve ser em circuito de alça fechada, por exemplo: “administre 1 mg de adrenalina EV”; a resposta deve chegar: “1 mg de adrenalina administrado”.

O protocolo ACLS menciona dois algoritmos com a mesma proposta. Vamos destrinchar um pouco mais as recomendações! 

Após iniciar a ressuscitação cardiopulmonar com compressões torácicas, você parte para a checagem de ritmo com um desfibrilador o mais breve possível.

  • Caso o ritmo visto no monitor seja FV/TVSP: proceda com a desfibrilação e solicite um acesso venoso. Se após mais um ciclo de RCP o doente permanecer em ritmo chocável, forneça mais um choque, peça a adrenalina em dose recomendada e considere via aérea avançada. Se na checagem de ritmo subsequente (após a segunda desfibrilação), ainda existir um ritmo chocável, aplique mais um choque e posteriormente está indicado o tratamento de causas reversíveis e antiarrítmicos. 
  • Caso o ritmo encontrado seja AESP/Assistolia: considere via aérea avançada, garanta o acesso para infusão de drogas e solicite a administração de adrenalina o mais rápido possível.
Protocolo ACLS: Algoritmo de parada cardiorrespiratória no adulto (Créditos: ECC Guidelines)
Protocolo ACLS: Algoritmo de parada cardiorrespiratória no adulto (Créditos: ECC Guidelines)
Protocolo ACLS: Algoritmo circular de parada cardiorrespiratória no adulto (Créditos: ECC Guidelines)

Como saber se estamos comprimindo o tórax com qualidade e de acordo com o protocolo ACLS?

Lembra: isso é considerado atualmente pelo ACLS um dos pontos mais importantes!

  • Compressão forte e rápida: as compressões devem atingir ao menos 5 cm de profundidade! A frequência ideal das compressões é entre 100 a 120/minuto. Devemos permitir o retorno completo do tórax e não ficar com as mãos apoiadas exercendo força contínua no tórax.
  • Minimizar interrupção das compressões: interromper as compressões de alta qualidade por desatenção ou demorar mais tempo que o recomendado nos procedimentos pioram o prognóstico do seu paciente. Palpou pulso em mais de 10 segundos? Não conseguiu sentir pulso e ficou procurando pra lá e pra cá? Demorou demais pra checar ritmo ou para ventilar? Parou RCP desnecessariamente para laringoscopia e introdução de dispositivo de ventilação? Tá errado! Nosso foco de acordo com o protocolo ACLS é comprimir o tórax de maneira eficaz, lembre-se disso.
  • Evitar ventilação excessiva: o ACLS recomenda que a ventilação seja feita com a maior fração inspirada de oxigênio possível, mas sem excessos tanto em relação ao número de incursões por minuto quanto à pressão exercida na via aérea. A relação que utilizamos é a de 30:2 (compressões:ventilações) com bolsa-válvula-máscara se a via aérea avançada não estiver garantida, ou 10 incursões/minuto se via aérea avançada — uma ventilação a cada 6 segundos. Sem interrupções das compressões neste último caso, beleza?
  • Substituir socorrista da compressão torácica: a cada 2 minutos ou caso existam sinais de cansaço físico e deterioração da compressão ideal. Precisamos, pelo ACLS, garantir a boa técnica!
  • Capnografia quantitativa em forma de onda: a gente sabe que essa não é uma opção amplamente disponível na realidade brasileira, mas é a forma ideal de confirmação da intubação orotraqueal e é um guia de qualidade da RCP. A recomendação, pelo protocolo ACLS, é que se PETCO2 < 10 mmHg é sinal de que as compressões não estão ideais e devemos melhorar a técnica aplicada.
  • Pressão intra-arterial: se estiver disponível uma linha arterial, podemos nos guiar pela pressão diastólica: caso seja menor que 20 mmHg, também é sinal de que devemos melhorar a técnica aplicada.

Mas calma! Vamos voltar ao quadro clínico

Voltando para nosso caso clínico lá do início: o paciente chegou! Você constata que ele não está respirando e que não há pulsação central em até 10 segundos de checagem. A partir daí, garante uma boa técnica de RCP, fornece oxigênio suplementar por dispositivo bolsa-válvula-máscara da forma recomendada (abrindo as vias aéreas e vedando corretamente o dispositivo na face do paciente) e checa o ritmo com as pás do desfibrilador. 

Ufa!! O que você pode encontrar nesse momento?

  • Fibrilação ventricular (FV): atividade elétrica desorganizada que não é capaz de promover contração ventricular efetiva.
Figura 5 - Fibrilação ventricular (FV). Perceba o ritmo caótico, sem distinção de ondas e intervalos no eletrocardiograma, que define o cenário de parada cardiorrespiratória.
Fibrilação ventricular (FV). Perceba o ritmo caótico, sem distinção de ondas e intervalos no eletrocardiograma (Créditos: Blog da RCP)
  • Taquicardia ventricular sem pulso (TVSP): atividade elétrica organizada do miocárdio que não permite tempo suficiente para preenchimento ventricular e não gera fluxo significativo de sangue ou pulso.
Figura 6 - Taquicardia ventricular (TV), outro cenário comum durante a parada cardiorrespiratória
Taquicardia ventricular (TV) (Créditos: Blog da RCP)
  • Atividade elétrica sem pulso (AESP): abrange um grupo heterogêneo de ritmos elétricos organizados que deveriam gerar pulsos, mas que não são capazes de gerar contração ventricular. Também existem outras possibilidades, como quando a contração ventricular é muito fraca para produzir um débito cardíaco adequado, ou quando há atividade elétrica/mecânica, mas não há conteúdo intravascular! Essa última situação ocorre  em casos de choque hipovolêmico-hemorrágico grave.
Figura 7 - Atividade elétrica sem pulso (AESP). Atividade elétrica organizada.
Atividade elétrica sem pulso (AESP). Atividade elétrica organizada. (Créditos: Blog da RCP)
  • Assistolia: ausência de atividade elétrica ventricular detectável. Lembrar de checar cabos, ganho e derivação — a famosa regra CA-GA-DA — de forma a não retardar um choque apropriado em quem não estiver com “a linha reta” de fato.
Figura 8 - Assistolia.
Assistolia (Créditos: Blog da RCP)

De acordo com o ACLS, para não invertermos a ordem das recomendações, a partir de agora temos que ter alguns conceitos bem claros em mente: se for ritmo chocável (FV ou TVSP) a prioridade é a desfibrilação precoce. Se for ritmo não chocável (AESP ou assistolia) a prioridade é a administração precoce de adrenalina.

Não se esqueça da carga apropriada do aparelho! Se for bifásico: recomendação do fabricante (por exemplo, dose inicial de 120 a 200 Joules); se desconhecido, use o máximo disponível. A segunda dose e as subsequentes devem ser equivalentes, e doses mais altas podem ser consideradas. Caso o dispositivo seja monofásico: 360 Joules.

E pra não cair na “pegadinha”: O que fazemos logo após um choque aplicado? Claro, compressão torácica de qualidade, beleza?! Sem desespero… e sem querer checar ritmo ou pulso nessa hora!

Agora sim, feito tudo isso, vamos garantir o acesso venoso periférico ou intraósseo para administração de drogas e posteriormente considerar a via aérea avançada com dispositivos supraglóticos ou intubação traqueal, que deverá ser confirmada idealmente por capnografia com forma de onda ou capnometria.

Quais são as drogas recomendadas para o manejo da parada cardiorrespiratória, segundo o ACLS?

Adrenalina IV/IO: 1 mg a cada 3-5 minutos administrada precocemente se identificado AESP/Assistolia ou após o 2º choque (apenas!) caso encontremos FV/TVSP. Altas doses de adrenalina não são recomendadas.

Amiodarona IV/VO: 300 mg na primeira dose; 150 mg na segunda dose. SEMPRE em bólus.

Lidocaína IV/IO: 1-1,5 mg/Kg na primeira dose; 0,5-0,75 mg/Kg na segunda dose.

Aliás, ainda falando de droga: e o Bicarbonato de Sódio, o Sulfato de Magnésio, a Atropina, o Cálcio e o Fibrinolítico, essas coisas todas? Bicho, guarda isso: esses fármacos NÃO são indicados de forma rotineira na PCR. Entendido? NÃO possuem benefício.

O mais comum é o famoso “bic”, não é mesmo? É imprescindível o conceito de que, pelo ACLS, os pilares da manutenção do equilíbrio ácido-base durante a parada cardíaca incluem a RCP de alta qualidade e a ventilação apropriada com oxigênio. Em algumas situações especiais de ressuscitação, como acidose metabólica, hipercalemia ou overdose de antidepressivos tricíclicos, a administração de bicarbonato de sódio até pode ser benéfica! Porém, de rotina: NÃO!

Quais são os critérios, pelo ACLS, para a identificação de retorno à circulação espontânea?

O ACLS recomenda a identificação de pressão sanguínea e de pulso, a melhora abrupta e sustentada do PETCO2 (> 40 mmHg), caso haja capnografia disponível, ou observação de onda espontânea da pressão arterial, caso haja monitorização intra-arterial.

Quais são as causas de parada cardiorrespiratória que devemos buscar a todo momento?

Organizado como os 5 H’s e os 5 T’s! Eles são: 

  • Hipovolemia; 
  • Hipóxia;
  • Hidrogênio (acidose); 
  • Hipo e Hipercalemia; 
  • Hipotermia; 
  • Tensão (pneumotórax); 
  • Tamponamento cardíaco; 
  • Toxinas; 
  • Trombose pulmonar (TEP); 
  • Trombose coronária (IAM). 

Buscar ativamente indícios de cada fator que possa ter desencadeado a PCR é nossa função!

Vamos, então, tentar aplicar isso ao nosso caso clínico. Nosso paciente teve um ritmo chocável! Tomando como base a história que nos forneceram, era um paciente de alto risco cardiovascular e com idade avançada. Foi reanimado por 10 minutos conforme o protocolo do ACLS, tendo ritmo sinusal com supra de ST anterior extenso em parede anterior em ECG de controle pós parada cardiorrespiratória. Após o episódio, o paciente foi encaminhado com sucesso para a sala de hemodinâmica e realizado tratamento de IAM com supra de ST com implante de stent farmacológico em Artéria Descendente Anterior. 

Esse caso é hipotético, porém, traduz nosso dia a dia de Medicina de Emergência!

Houve retorno da circulação espontânea: o que fazer agora?

Os cuidados pós-parada cardiorrespiratória são imprescindíveis e compostos pelos seguintes pilares: 

1) Preservação da função neurológica, incluindo o gerenciamento de temperatura alvo e evitar febre; 

2) Preservação da função hemodinâmica e cardiocirculatória; 

3) Preservação da função respiratória, garantindo boa oxigenação e ventilação.

O que o protocolo ACLS recomenda em relação à interrupção dos esforços de reanimação durante a parada cardiorrespiratória?

A decisão nunca pode ser baseada em um único parâmetro. Avalie o tempo de RCP, idade, doenças sobrepostas, entre outros, mas não um único critério de maneira isolada.

Uma ótima recomendação no que diz respeito a parada cardiorrespiratória extra-hospitalar é considerar o término da tentativa de ressuscitação quando TODOS os critérios a seguir se aplicam, antes de ir para a ambulância para transporte: 

  1.  PCR não foi testemunhada; 
  2. nenhum cuidado de RCP fornecido; 
  3. Ausência de retorno à circulação espontânea após manobras de suporte avançado no campo; e 
  4. Nenhuma terapia com choque foi aplicada. 

Se todos os critérios estiverem presentes, o ACLS recomenda considerar a interrupção dos esforços.

O que o protocolo ACLS recomenda com relação a dispositivos de circulação extracorpórea?

NÃO são recomendados de maneira rotineira os dispositivos que promovam “by-pass” cardiopulmonar. Essas técnicas requerem acesso vascular adequado e equipamento especializado. Pode ser considerada para pacientes selecionados como terapia de resgate quando os esforços convencionais de RCP estão falhando em ambientes em que pode ser implementada rapidamente e apoiada por profissionais qualificados (ainda assim, recebeu recomendação IIb).

Enfim, é isso!

Esperamos que você tenha gostado de se ligar nessas dicas a respeito do protocolo ACLS, e que tenha aprendido algo com elas que possa ser útil no futuro! Este não é um tema fácil e, em diversas ocasiões, enfrentaremos um ambiente de muito estresse ao socorrer uma vítima de parada cardiorrespiratória. E se você ainda tem dúvidas sobre como interpretar ECG, sugiro que você dê uma olhada nesse e-book gratuito que fizemos: ECG Sem Mistérios! Nele você vai aprender tudo o que um médico precisa saber sobre ECG, um exame de extrema importância para o diagnóstico de diversas doenças, como ACLS, bloqueio atrioventricular e várias outras.

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Espero que tenham gostado! Abraço e até mais!

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Dhiego Campostrini

Dhiego Campostrini

Nascido em 1990. Médico graduado em 2014. Formado em Clínica Médica pelo Hospital Santa Marcelina-SP. Atual residente na disciplina de Cardiologia da UNIFESP-EPM. Ex-preceptor, médico concursado do Hospital do Servidor Público Municipal - SP. Apaixonado por aprender e ensinar; fascinado pela Medicina.